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Cineasta baiano leva para Tiradentes filme sobre punks na Bahia

por Atitude Notícias
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Filme estreia na noite de hoje na programação da Mostra de Cinema de Tiradentes

Nos anos 1980, na Rua Chile, Centro Histórico de Salvador, a terra axé music, foi fundada a loja Not Dead, voltada para a música e a cultura punk. O lugar tornou-se ponto de encontro para toda uma geração que se identificava com a filosofia de vida e com o som corrosivo e pulsante surgido uma década antes, na Inglaterra. Esse é o ponto de partida do filme que leva o mesmo nome do estabelecimento, dirigido pelo cineasta baiano Isaac Donato.

No entanto, Not Dead não é um filme convencional que quer contar a história da icônica loja ou do movimento punk na Bahia. Antes disso, acompanha a vida e a rotina de algumas pessoas que se identificavam com o movimento que,de alguma forma, mantém vivo até hoje o espírito punk, seja no comportamento cotidiano ou mesmo ainda tocando e fazendo shows na cidade.

O filme estreia na noite de hoje, dentro da programação da Mostra de Cinema de Tiradentes, onde participa da Mostra Aurora, seleção competitiva do festival mineiro. Essa, aliás, é a segunda vez que Donato apresenta um filme na mesma seção do evento, já que seu primeiro longa-metragem, Açucena, não só participou como venceu a Mostra Tiradentes em 2021.

“Tiradentes tem uma importância muito grande para a nossa trajetória. No festival, nós lançamos nosso primeiro curta-metragem,Visita Íntima: Revista Corporal, em 2006, e também nosso primeiro longa. Todos feitos em parceria com Marília Cunha, co-roteirista produtora”,afirmou Donato.

Ele comemorou também o retorno à Tiradentes em formato presencial, já que a edição do evento em que Açucena foi exibido era totalmente online. Agora, Donato vai ter o gostinho de acompanhar a exibição e o retorno do público de modo mais direto, além de participar do debate sobre sua obra no seminário promovido pela Mostra.

Com o filme anterior, o realizador já demonstrava um olhar muito aguçado para observar com apuro e cuidado uma dada realidade – neste caso, o cotidiano de uma senhora que mantém e cuida de uma grande coleção de bonecas em sua casa. Agora, em Not Dead, com um tema completamente diferente, Donato sustenta o mesmo olhar acurado para o recorte que faz

E ele parte de um universo muito próximo de suas próprias vivências. “Assim como em Açucena,o filme tem muito da minha biografia individual. A minha figura da direção está completamente imbricada nesse processo de realização porque é uma obra que reúne vivências punks, agentes humanos punks, amigos, vizinhos com quem mantenho contato e acompanho a trajetória desde os meus 14, 15 anos de idade”, pontuou o cineasta.

Velhos punks

O filme se constrói a partir do registro do cotidiano das pessoas dessa geração pré-internet que estavam conectadas com o modo de viver punk no underground soteropolitano. Donato filma com certo distanciamento e acompanha as conversas aparentemente prosaicas em que as vivências,memórias e modos de pensar surgem naturalmente.

“Temos no filme um conjunto de personagens com os quais eu já fiz fanzine, participei do Telefanzine, que foi uma experiência via caixa de mensagens do antigo Telefone Virtual, criado pelo Ednilson Sacramento [um dos colaboradores da loja Not Dead desde a sua fundação]. O filme se deve muito da minha convivência com esse grupo, permitindo contar a história de pessoas que investem numa maneira de pensar que é o lema punk: ‘Faça você mesmo’, definiu Donato.

Distantes no tempo desse momento de maior efervescência do punk, o filme encontra esses personagens tocando suas vidas e trabalhando seguindo esse lema.

Raimundo Pereira (ou apenas Rai) tem uma marcenaria em uma oficina improvisada; Claudio Roberto Nonato (também conhecido como Moska), produz cerveja artesanal para vender nos bares da cidade.

Uma de suas clientes é também adepta do punk, uma das fundadoras de um restaurante vegano, Luciana Rangel. E não podiam faltar as bandas Pandemônio,Levanta Véio e Ato 5, que se apresentam no filme, remanescentes dessa geração.

Nós buscamos colocar esses personagens em quadro, reescrevendo sua história. E, ao mesmo tempo, a gente estava tentando reposicionar um documentário que cobre um conjunto de bandas punks baianas oriundas de bairros como São Caetano, Fazenda Grande do Retiro, Castelo Branco, enfim, da periferia de Salvador”, observou o cineasta.

Donato reforça esse olhar que se dá através do ponto de vista daqueles personagens, nunca como integridade de um pensamento que quer abarcar todo um movimento, não apenas musical, mas um modo de viver e pensar. No entanto, sobre as particularidades, inclusive regionais, o cineasta faz a provocação: “Punks baianos? Punks negros? Sim, são existências humanas”.

Narrativa rebelde

Sendo um filme que perpassa e rememora o movimento punk, Not Dead não haveria de cair na armadilha da narrativa convencional. Não é o caso de dizer que se trata de um filme com uma linguagem punk (o que seria isso, afinal?) e muito menos que se tenta transpor certas marcas da ideologia punk para a linguagem audiovisual.

Mas o filme foge de uma abordagem que poderia ser vista como algo careta e puramente didática. Nesse sentido, a figura de Ednilson Sacramento é muito importante nessa construção porque, para além do seu próprio destaque na cena alternativa de Salvador, atualmente ele trabalha como consultor de audiodescrição para produtos audiovisuais.

Ele aparece no filme fazendo justamente esse serviço para cenas do próprio longa, que será mais tarde exibido para ele próprio e para os demais entrevistados/amigos que compartilham aquelas experiências de vida. Com isso, Not Dead cria uma costura de linguagem imbricada e imprevisível que se desdobra sobre si mesma.

É como se houvesse ali uma rebeldia na maneira de lidar com a montagem e com a forma do filme, sem que isso necessariamente chame mais atenção para si do que para as histórias e vivências que estão sendo narradas. “A nossa observação é uma observação apreciadora”, explica Donato, e isso faz de Not Dead um exercício de cinema que faz jus ao objeto a que se detém, com rigor e reverência. (ATarde)

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