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Metade dos congressistas eleitos que se dizem negros, são brancos

por Atitude Notícias
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A Bahia é o estado com mais deputados federais eleitos que se declararam negros no país

O Brasil elegeu no dia 2 de outubro, 517 parlamentares que se declararam negros, representando 32,3% dos deputados estaduais, federais e senadores que tomarão posse em 2023. 

Porém, um levantamento feito por uma equipe de heteroidentificação racial — método usado para evitar fraudes nas cotas raciais- identificou que apenas 263 dos eleitos são negros, o que representa 16,4% dos novos congressistas no Senado, na Câmara e nas assembleias legislativas dos estados.

Neste pleito eleitoral, após determinação do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE), os partidos foram obrigados a destinar de forma proporcional às campanhas de candidatos negros o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral. Só este último dispunha de R$ 4,9 bilhões, a maior verba desde a sua criação, em 2017.

As fraudes na autodeclaração podem mascarar a falta de avanço da representatividade na política ainda longe de espelhar a fatia negra na população brasileira, de 56,2% como também impedir a análise da efetividade da ação afirmativa. 

O levantamento solicitado pelo UOL e realizada sob a liderança da doutora em sociologia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marcilene Garcia de Souza, seguiu uma portaria de 2018, do antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que regula a checagem racial de cotistas negros em concursos públicos federais. Foi averiguado os fenótipos negroides das pessoas, ou seja, os detalhes físicos pelos quais elas são percebidas como negras. Por exemplo: pele escura, cabelos crespos ou encaracolados, lábios e nariz grossos.

Todos os eleitos autodeclarados pretos e pardos no registro do TSE foram submetidos a lista a uma banca selecionada por Marcilene e composta por cinco especialistas em heteroidentificação. Todos têm ao menos 4 anos de atuação em universidades e concursos públicos.

Os eleitores brasileiros renovaram 27 cadeiras do Senado. Entre os escolhidos seis negros são homens, três pretos, Magno Malta (PL-ES), Romário (PL-RJ) e Beto Faro (PT-PA) e três pardos, Flávio Dino (PSB-MA), Dr. Hiran (PP- RO) e Rogério Marinho (PL-RN). Rogério Marinho foi o único a ter a autodeclaração contestada pela banca. 

Dos 1.059 deputados estaduais eleitos em 2022, 376 se autodeclararam negros, mas 49% deles não são, aponta o levantamento. Entre os 303 homens eleitos que se veem como negros, 52,1% não foram identificados como negros pela banca. Entre as 73 mulheres do grupo, o índice foi de 35,6%.

Já na Câmara dos Deputados, 135 dos 513 parlamentares eleitos, declaram ser negros. Porém, 51,1% deles tiveram a autodeclaração contestada pela banca de heteroidentificação.

Como todos os que se registraram no TSE como pretos tiveram a autodeclaração reiterada pelos especialistas, a disparidade está entre os pardos. Dos 107 homens eleitos, 56% não foram considerados negros. O mesmo ocorreu para nove das 28 mulheres pardas.

A Bahia foi o estado que mais elegeu deputados federais que se declararam negros nesta eleição, mas 13 dos 21 tiveram a autodeclaração colocada contestada. 

Em segundo lugar com maior números de candidatos eleitos declarados pretos, ficou o estado do Rio de Janeiro. As declarações raciais de dois dos 13 parlamentares foram contestadas. Um deles é Dimas Gadelha (PT-RJ), que também mudou de opinião sobre sua cor/raça. Há dois anos, ele se registrou no TSE como branco para a disputa pela Prefeitura de São Gonçalo. 

O Maranhão também está entre os estados que mais elegeram negros para a Câmara dos Deputados em Brasília. Foram 11, dos quais sete tiveram a autodeclaração contestada. 

No papel, os partidos de direita são os que mais elegeram deputados federais autodeclarados negros. Juntos, PL, Republicanos, União Brasil e PP têm 57% dos eleitos deste grupo racial.

Os partidos de direita também foram os que mais tiveram as identidades raciais de seus eleitos contestadas pela banca de heteroidentificação. Entre eles estão o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL); o segundo mais votado no Ceará, Júnior Mano (PL-CE); e Wellington Roberto (PL-PB), reeleito.

No Republicanos, sete dos 20 parlamentares que se veem como negros tiveram a identidade racial contestada. Uma delas é Antônia Lúcia (Republicanos-AC), que chama a atenção pela variedade racial com que se viu nos últimos anos. Em 2014, quando concorreu à Câmara dos Deputados, ela se via como amarela. Mudou para parda quatro anos depois. Alterou para branca em 2020 e voltou a se declarar parda em 2022.

Antônia Lúcia disse ao UOL que está registrada como parda em sua certidão de nascimento e não se considera branca por ser filha de pessoas pardas. Contrariando as evidências, diz não ter alterado sua declaração racial. “Sou do Norte do país e, como todos os brasileiros essencialmente desta região, as pessoas são miscigenadas”, pontua.

Entre os que mais elegeram negros também está o PT, na quarta posição, com 16, dos quais cinco tiveram a autodeclaração contestada.

Neste último partido, 11 dos 17 eleitos negros tiveram a identidade racial reavaliada. Entre eles, está Silvye Alves, de Goiás, eleita para o primeiro mandato. Com pele clara e cabelos lisos e claros, ela apresenta traços que destoam de características negroides, segundo a banca, assim como Andreia Siqueira (MDB-PA).

A análise fenotípica por imagens à distância é um procedimento comum em processos de comprovação racial, ainda que análises presenciais garantam maior confiança, explica Marcilene Garcia de Souza, que coordenou a banca. No procedimento online, os especialistas consultaram imagens diferentes das presentes no TSE quando detectavam alterações nas imagens, como mudança da cor de fundo ou aplicação de filtros.

Pesquisadora de relações raciais com foco em ações afirmativas para negros, ela atua há 15 anos em bancas de heteroidentificação para concursos e universidades públicas. No doutorado, Marcilene criou um método de heteroidentificação, chamado de Oju Oxé.

A pesquisadora ressalta a miscigenação no Brasil e acrescenta que a política de cotas não se prende à descendência, principalmente porque a autodeclaração racial confere algum benefício.

“No caso do Brasil, o termo ‘afrodescendente’, no sentido de origem (parentesco de primeira, segunda ou terceira geração) não pode ser considerado um critério justo. Comprometeria negativamente as políticas de cotas raciais direcionadas à população negra, porque incluiriam pessoas brancas descendentes de negros que alegariam ser afrodescendentes, e não as pessoas fenotipicamente negras. São as pessoas que compõem a população negra as afetadas pelo racismo antinegro no Brasil”.

O cientista político e professor de sociologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Luiz Augusto Campos, disse que não existe autodeclaração errada, já que raça é construção social que depende tanto de como as pessoas se reconhecem quanto de como elas são vistas socialmente. E isso varia conforme região, geração ou momento histórico.

As discrepâncias nas autodeclarações dos eleitos não são necessariamente fraudes eleitorais, diz. Ainda assim, acrescenta, pode haver pessoas que visam acessar recursos destinados às candidaturas negras.

“Esses incentivos são muito recentes e indiretos. Realmente acho que grande parte dessa discrepância se deve ao desleixo com que as fichas partidárias são preenchidas nos TREs. Muitas vezes não é sequer o candidato que preenche”Luiz Augusto Campos, cientista político e professor de sociologia da Uerj

O advogado Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil-Seção SP), explica que a lei eleitoral não prevê punição para autodeclarações raciais inconsistentes. No entanto, candidatos podem ser processados por abuso de poder econômico, caso sejam brancos e se digam negros para distorcer a distribuição proporcional de verbas eleitorais. “Os candidatos que se beneficiam da má aplicação dos recursos eleitorais podem ser impedidos de se diplomar”, explica. (ATarde)

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