A inflação gera a necessidade de emitir mais e mais papel, e a Argentina já não tem dado conta sozinha.

A hiperinflação na Argentina tem consequências que não se restringem à economia do país. Ela afeta profundamente até os hábitos mais simples das pessoas.
Uma cena própria da Argentina: a expectativa pelo jogo do River Plate, acompanhada de uma empanada de carne, uma taça de vinho Malbec e: pagamento em dinheiro.
Um típico argentino não sai de casa sem pesos na carteira. Antes de um traço cultural, essa é uma condição econômica da Argentina, que tem uma moeda corroída pela inflação.
“As pessoas pegam a moeda, ela queima na mão. A melhor coisa naquele momento é você pegar essa moeda e usar para comprar outras coisas enquanto o valor dela não deprecia”, explica o economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman.
A inflação gera a necessidade de emitir mais e mais papel, e a Argentina já não tem dado conta sozinha.
Desde 2020, a Casa da Moeda do Brasil fabrica pesos argentinos. E a produção aumenta ano a ano. Em 2022, foram mais de 600 milhões de notas fabricadas por aqui. Este ano, o carregamento vai ser ainda maior.
“Esse ano, a expectativa é que seja em torno de entre 19 e 20 milhões de cédulas de peso argentino semanalmente. O que a gente tem de capacidade ociosa, a gente tenta encontrar negócios que garantam a ocupação dessa capacidade”, explica Marcone Leal, superintendente do departamento de cédulas da Casa da Moeda.
E não é só do Brasil. A Argentina também está comprando dinheiro da China e de outros países da Europa. O economista Augusto Ardiles, que foi diretor da casa da moeda argentina, calcula que o país já gastou mais de um bilhão de dólares nos últimos anos por não produzir notas de valores maiores.
Apesar de todo o cenário, um restaurante argentino em São Paulo tem algo bem diferente do comércio argentino: poucas notas no caixa. É que no Brasil, na contramão do país vizinho e seguindo a tendência global, a quantidade de papel em circulação vem caindo.
E o que pode parecer só um detalhe do cotidiano dos dois países revela uma diferença importante: o nível de confiança nas moedas e nas economias.
Os números do Banco Central mostram que, aqui no Brasil, a quantidade de dinheiro em circulação caiu nos últimos dois anos, o que explica, em parte, a capacidade de produzir dinheiro para outros países.
Brasileiros em Buenos Aires, já distantes do tempo de hiperinflação, nem estão mais acostumados a ver tanto dinheiro vivo.
“A coisa mais incrível, gente, são as máquinas para contar dinheiro nas lojas, nos hotéis”. É uma coisa incrível, é muito dinheiro. A gente às vezes até faz confusão” , conta um turista brasileiro.
“Não é exatamente uma solução, mas a forma de lidar com o problema é você admitir que ele existe e passar a ter notas de maior denominação. A forma correta de lidar com o problema é acabar com a inflação. A inflação já está descontrolada”, diz Alexandre Schwartsman. (G1)